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Foto do escritorCristiano Figueira Canguçu

Entre a inocência e a violência

“A gente não é mais criança, sabia?” “Nem é adulto. Estamos no limbo.”


E é nesse limbo, que o protagonista Jônatas ouve da resposta de sua amiga Lira, e nas vulnerabilizadas por ele trazidas, que se detém o média-metragem c, que Daniel Leite Almeida apresenta na Mostra de curtas Gênero, Violência e Sociedade: Olhares Transversais, produzida pela Ato 3 Produções com apoio do Programa Aldir Blanc Bahia.

Cartaz: Anderson Prado
Cartaz: Anderson Prado

A sensibilidade de Leite Almeida para tratar de maneira poética assuntos difíceis já havia ficado patente para mim desde a websérie Elos (2014) e de curtas-metragens como Patrício (2014), Começo, Meio e Fim (2015) e Raabe (2016), produzidos enquanto ele ainda estava no curso de cinema e audiovisual da UESB. Vindo de experiências prévias nas Letras e na literatura, Leite Almeida se acostumou a se expressar com sutileza e simbolismo a respeito de múltiplos aspectos da condição humana e, neste filme, o faz ao tratar de um tema dolorido: a violação.


Angustiado pelo início da vida adulta ao se mudar para outra cidade, Jônatas tem a chegada natural da sua maturidade (“tenho que virar homem”) interrompida quando tem os limites do seu corpo desrespeitados. Ansioso e tímido, não sabe como verbalizar e como lidar com essa situação tão difícil.


Essa premissa impõe um desafio a qualquer cineasta que deseje desenvolvê-la. Como mostrar na tela a angústia de um jovem que não sabe como externalizá-la? Como registrar a turbulência interior de alguém que talvez prefira escondê-la?


É aí que se revela o olhar sensível de Leite Almeida e da equipe de Entre o Ninho e as Andorinhas, que expressam um ponto de vista subjetivo em múltiplos aspectos do audiovisual: além da metáfora do ninho de passarinhos que dá nome ao média-metragem e que reflete o percurso do protagonista, temos, por exemplo, a música original de Vinícius Pessoa (com letras do próprio diretor), comentando os acontecimentos; a montagem e o desenho de som de Kauan Oliveira, que quebram a identidade entre som e imagem, fazendo o áudio de momentos anteriores (ou mesmo posteriores) invadir a imagem do tempo presente; a direção de arte de Saulo Goveia e a fotografia de Filipe Sobral que contrastam os momentos coloridos de esperança e crescimento com a escuridão dessaturada e, por vezes, borrada daqueles outros de insegurança e vulnerabilidade – além, é claro, da performance dos atores. Em especial, de Jimmy Maximus, que precisa ao mesmo tempo revelar e tentar esconder a instabilidade das emoções com as quais Jônatas precisa lidar.

Toda produção audiovisual precisa de entrosamento, mas este nível de sinergia e entrega a uma visão artística não acontece por acaso. Nesse sentido, a prática recorrente na Ato 3 de produção colaborativa (e, muitas vezes, de rodízio de funções) entre os filmes dos seus membros certamente teve um papel importante aqui.

Uma pena que ainda estejamos sob esta pandemia e a Projeção Rec Conquista tenha precisado ser online. Entre o Ninho e as Andorinhas merece ser exibido e visto nos cinemas.


Por: Cristiano Figueira Canguçu

Professor do Curso de Cinema e Audiovisual

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

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